Reportagem: Crudivorismo

Quem tem pressa come cru, mas come bem

Surgido nos anos 90 na Califórnia, o raw food foi difundido pelas estrelas americanas e hoje tem diversos adeptos em todo o mundo, mas no Brasil ainda é um movimento pequeno

Mesmo que confundido por vezes como dieta, o crudivorismo – ou raw food – é um estilo de vida saudável em que o adepto desse tipo de alimentação se nutre basicamente de frutas, folhas, grãos germinados, brotos e raízes. Nenhum alimento é aquecido acima de 42ºC – temperatura semelhante a um dia quente de verão. Como o alimento cru possui células vivas, o crudivorismo costuma também ser chamado de alimentação viva, pois alimentos cozidos, segundo seus adeptos, perdem enzimas importantes para a boa digestão, e são, portanto, tidos como “alimentos mortos”.

Gustavo Reigota de Moraes, 24, é estudante de História e adepto do raw food há cinco anos, desde que o conheceu. Ele segue a linha 80-10-10 do crudivorismo. A proposta dela é o consumo de 80% de carboidratos, 10% de gordura e 10% de proteínas, tudo proveniente de alimentos naturais, sem o consumo de sal, temperos, vinagre, azeite e outros condimentos. “Vim de uma dieta padrão (comum) e a adaptação foi fácil. Como em grandes quantidades para não ter fome e ficar com vontade de comer besteiras”, declara. O estudante diz também que já passou por algumas situações embaraçosas, principalmente em festas e confraternizações com amigos: “Na maior parte das vezes me sirvo de água, alguma salada sem tempero ou alguma fruta mesmo”.

Health Coach formada pelo IIN-NYC (Instituto de Nutrição Integrativa de Nova York), Patricia Augustin é especialista em crudivorismo e diz que só o defende porque vivenciou o crudivorismo em sua vida. “Em todas as minhas pesquisas e estudos, eu procuro experimentar antes de disseminar e defender. Comecei a usar o crudivorismo e a alimentação “plant based“, conhecida como vegana, após o curso que fiz de Plant Based Nutrition e ler o livro de China Study”, destaca. No Brasil, o estilo ainda está engatinhando, mas tem ganhado certa relevância com a vinda dos “sucos detox”, que se tornaram pautas constantes nas revistas. “Tem algumas pessoas fazendo um trabalho muito construtivo e sólido do crudivorismo no Brasil: Conceição Trucom, Cozinha Efêmera, Terrapia, Alberto Gonzalez, Casa RAW, etc.” Mencionada pela especialista, a Casa RAW é um restaurante localizado no bairro de Perdizes, na zona norte de São Paulo. Surgiu como resultado do primeiro projeto da IACO (Instituto de Alimentação Consciente). O restaurante oferece comida viva (raw food), vegana, orgânica e sem glúten. O prato do dia (crudívoro ou vegano) fica por volta de R$28, além dos snacks que podem ser levados para casa.

Patricia diz que a alimentação viva só traz vantagens, mas pode não ser recomendada a todos, já que algumas pessoas têm organismo com maior dificuldade em se nutrir apenas com alimentos crus. “Elas são cientificamente comprovadas por serem dietas que previnem doenças e até revertem quadros de doenças graves e crônicas por restaurar um ambiente alcalino no organismo das acidoses (processo de diminuição do pH sanguíneo) metabólicas moderadas.” Já o estudante Gustavo diz que a adaptação foi fácil e que os benefícios superam a dificuldade que se pode ter antes de se adequar ao estilo de alimentação. “[O crudivorismo] regula o organismo e traz a homeostase (propriedade de um sistema aberto de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável), mas isso inclui uma melhor digestão, muito menos muco, muita energia, melhora no odor corporal e a reversão de diversas doenças”, finaliza.

Compartilhado por diversos veículos como dieta das estrelas, o crudivorismo envolve muito mais que uma mudança de hábitos alimentares, significa conectar-se com o alimento e ter plena consciência de quem se é no mundo. Esse tipo de alimentação é utilizado por diversas religiões – em sua maioria, asiáticas –, e há quem acredite que ela seja responsável por uma ascensão espiritual. Formado em medicina Ayurvédica, uma das pessoas influentes que acredita nisso é o Dr. Gabriel Cousens, um dos maiores especialistas em alimentação viva vegana, descrito pelo The New York Times como “guru do jejum e especialista em desintoxicação”. Além disso, ele é terapeuta de família, psiquiatra e médico holístico. Através do Instituto Tree Of Life, localizado no Arizona, EUA, Cousens já ensinou em mais de 40 países, incluindo o Brasil, que ganhou a visita do médico pela última vez em fevereiro deste ano. Nas aulas e eventos ministrados na sede dos Estados Unidos, já participaram pessoas de 107 países diferentes. Fundador de uma religião New Age, Cousens prega ensinamentos da judaica Cabala e Torá, unindo às crenças hindus e à prática do Yoga.

Com tantos benefícios apontados, bate uma vontade de mergulhar de cabeça no estilo de vida. Só que é bem complicado sair de um dia para ou outro de uma dieta comum para uma crudívora. Fraqueza, fome exagerada e dificuldade de concentração podem acontecer com um organismo que sofre uma grande alteração desse tipo. A nutricionista Patricia Augustin prefere que seja feita uma inclusão gradual de alimentos crudívoros: “[É mais recomendado] fazer uma introdução lenta de alimentos crus, como uma salada rica com grãos germinados no almoço e um lanche a tarde crudívoro de frutas e vegetais por uma semana, posteriormente adicionar ao café da manhã opções frias como smoothies e bowls com frutas, leites vegetais e sementes, em seguida inserir alguns pratos amornados e desidratados a noite. O importante é ser criativo, estudar bastante sobre o tema e usar todo seu potencial na cozinha. Pôr a mão na massa é fundamental!”. E claro, buscar ajuda profissional nunca é demais. Do mesmo modo que para aderir à rotina de exercícios físicos regulares é necessária uma autorização médica, é bom procurar um nutricionista para aprovar a inclusão da dieta. “Genericamente, qualquer pessoa pode aderir ao crudivorismo desde que ela supra suas necessidades diárias energéticas e nutritivas. No entanto, há algumas restrições e contraindicações que apenas um nutrólogo ou nutricionista especialista pode orientar dependendo do paciente”, finaliza a Health Coach.

Para os foodies (aficionados por comida e novos restaurantes) de plantão, também há uma opção gourmet para apreciar as iguarias cruas. Localizado numa casa de 1920 reformada no Jardins, no coração de São Paulo, Deloonix é um restaurante em que 30% do cardápio é composto de raw food. Para os cariocas há a opção do Ró – Raw & Wine, que foi fundada pelo ex-presidente da Sony Music Brasil, Alexandre Schiavo. Com uma proposta que surgiu do zero, o restaurante tem um custo não tão acessível quanto à Casa RAW, mas tem 4,9 estrelas das 5 possíveis nos comentários do Google Plus. Mesmo quem não quer aderir de vez ao crudivorismo pode fazer uma boquinha num lugar bacana com alimentos diferentes do cotidiano. Mas e aí, vai uma comida crua?

Reportagem escrita em parceria com Renan Guerreiro:

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