Envenenamento lidera o ranking de morte de animais domésticos no Brasil
Mesmo com lei que proíbe a comercialização do chumbinho, produto continua a fazer com que milhares de animais sejam suas vítimas
“Meu gato saiu de noite e não voltou, no outro dia pela manhã meu pai o encontrou agonizando no portão de casa’’, conta a professora de Gestão Empresarial, Elaine Cristina da Silva. O fato ocorreu quando Elaine ainda era criança, mas os momentos de tristeza com a perda de Bruno, o gato da família, permanecem até hoje em sua memória. “Vi meus pais chorando e não fazia ideia do que havia acontecido, até que voltei para casa depois da escola e meu pai me contou”. O animal foi vítima da imprudência de um vizinho, que espalhou em seu quintal iscas de peixe recheadas com chumbinho, um tipo de veneno altamente tóxico usado para o extermínio de ratos.
Já a aposentada Vânia Maria de Castro, relembra com pesar a perda da cachorrinha Babi, morta ano passado após se intoxicar com chumbinho durante um passeio. “Demos uma volta no quarteirão como fazíamos todas as manhãs, quando voltamos para casa notei que a Babi começou a salivar e se debater. Eu entrei em pânico”. Mesmo com o pronto atendimento, a vira-lata de dois anos não conseguiu sobreviver devido a grande quantidade de veneno ingerido.
Casos como esses, infelizmente ainda são frequentes e acabam vitimando milhares de animais todos os anos no Brasil. Seja acidental ou criminoso, o envenenamento de animais com esse tipo de substância é um problema que enfrenta duas difíceis barreiras no país: a ilegalidade em sua comercialização e a falta de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.
Chumbinho é proibido por lei
Popularmente conhecido como chumbinho por conta de seu aspecto granulado e de sua coloração acinzentada, o Rodenticida é um poderoso veneno composto pela mistura do agrotóxico carbamato Aldicarbe e de outros organofosforados. Inicialmente usado como pesticida na área rural, rapidamente se popularizou na área urbana como veneno para ratos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), baniu a comercialização do produto desde 2012, contudo sua venda ainda acontece de forma clandestina em grande parte do país sendo possível encontrá-lo facilmente em feiras, casas de produtos agrícolas e até mesmo com vendedores ambulantes.
Segundo a ANVISA, cabe à vigilância sanitária de cada estado o papel de fiscalizar e intensificar a punição para quem compra e vende o produto, com multas que chegam a até R$19mil. Em São Paulo, a fiscalização seria feita pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA). Em entrevista à Agência de Notícias de Direitos Animais, a presidente da AVA (Associação Vida Animal), Maria Cristina Dias relata que a venda do chumbinho ainda corre solta na cidade. “Tenho um amigo que procurou pelo material em uma casa de vacina e, para surpresa, foi informado pelo atendente que tinha o raticida à venda”, diz.
O ranking da morte animal
O envenenamento lidera o ranking das causas da morte de cães e gatos, seguido pelas mortes por atropelamento. Segundo dados da SUIPA (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais), só no estado do Rio de Janeiro foram registrados no último ano um aumento de mais de 20% nos casos de animais envenenados, sendo a maior parte por conta do chumbinho.
De acordo com Raphael Hamaoui, médico do Hospital Veterinário Cães e Gatos 24h, em Osasco, na grande São Paulo, a clínica recebe em média, um mil casos de envenenamento por ano. Na contramão do senso comum, os animais que estão mais propensos a acidentes com o chumbinho são os domésticos. “Costuma ser mais comum em animais domésticos, pois normalmente é o proprietário que compra o veneno para eliminar roedores e o animal acaba ingerindo por acidente, ocorre a ingestão também em casos de maldade ou, às vezes, o veneno é jogado ao animal para algum assalto”, explica o veterinário, que complementa “As chances de sobrevivência dependem de quanto veneno o animal ingeriu, quanto foi absorvido e qual o tempo que demorou para se iniciar o atendimento. É um veneno extremamente perigoso, com alta porcentagem de óbito por ingestão”.
Ainda de acordo com Raphael os felinos estão mais expostos ao contato com o chumbinho por conta de seu hábito de sair de casa para passeios, que muitas vezes, podem ser mortais. “Gatos normalmente são mais propícios a este tipo de incidente, pois tem o hábito de passear, não apenas ficar dentro da residência. E, devido a isso, ficam mais expostos. O veneno é deixado no local onde os gatos costumam frequentar. Pessoas que não gostam dos bichos deixam o veneno para os animais se intoxicarem”, finaliza.
Envenenar animais é considerado crime de acordo com a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605, de 13/02/98), com pena de detenção de três meses a um ano e multa. O artigo 32 da lei entende por maus-tratos “praticar ato de abuso, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Reportagem escrita em parceria com Renan Guerreiro:
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